A terceira série Marvel / Netflix chegou e quebrou a Internet durante o fim-de-semana do seu lançamento.
Mas será que sobrevive às expectativas criadas?
Harlem
O Harlem é o personagem central da série Luke Cage. A comunidade, as ruas e os conflitos tornam o Harlem uma entidade viva que queremos conhecer e explorar.
Demolidor e Jessica Jones se focaram em Hell’s Kitchen, mas o público nunca sentiu que isso realmente fizesse diferença (desculpe aí, Matt Murdock, a gente sabe o quanto você ama a Cozinha do Inferno). Mas o Harlem se destaca, em seus tons dourados e negros, pulsando com o ritmo da sua comunidade vibrante.
Música
Impossível falar sobre Luke Cage sem falar sobre a sua música. Em cada momento, a trilha sonora desempenha um papel fundamental e é óbvio o quanto foi trabalhada a relação entre imagem e som.
As cenas de crime se transformam em dança em sintonia com a música. Existe uma atenção ao detalhe e à composição entre o que vemos e ouvimos que eleva a série. A música tem um papel de destaque nunca antes visto numa série Marvel.
Tensão racial e brutalidade policial
Um super-herói negro que usa um moletom com capuz em 2016 é por si só uma afirmação política. Desde a morte do jovem afro-americano Trayvon Martin que essa peça de roupa ganhou uma simbologia política.
O uso dessa peça foi intencional por parte dos criadores de Luke Cage, para representar a comunidade negra e as suas lutas nos dias de hoje. Mike Colter confirmou isso:
“É uma homenagem a Trayvon, sem dúvida. Trayvon Martin e as pessoas como ele. Pessoas como Jordan Davis, um garoto que foi baleado porque acharam que ele era uma ameaça. Quando você é um homem negro em um moletom com capuz, você subitamente vira criminoso.”
A série faz um ótimo trabalho representando a tensão racial que existe nos Estados Unidos atualmente. A brutalidade policial é outro assunto diretamente relacionado. Além do universo dos super-heróis, a violência dentro da comunidade negra é amplamente explorada.
E a imagem de um negro resistente a balas é profundamente poderosa nos nossos dias. É só pensarmos nas várias mortes de jovens negros pelas mãos de policiais brancos e a revolução que seria existir um Luke Cage nas ruas.
Luke Cage
Na sua própria série, Luke Cage é um homem bastante diferente do que assistimos em Jessica Jones. Agora no Harlem, Luke inicia sua jornada relutante de herói e foge do seu passado como Carl Lucas.
Mas isso não faz dele um super-herói torturado como Matt Murdock. Luke não foi treinado nem tem nenhum código como o Demolidor; na maior parte do tempo, ele só quer que o deixem em paz. Mas quando realmente entende que o Harlem precisa dele, Luke Cage está pronto para ouvir e agir.
Luke é força no estado mais cru e suas cenas de luta são muito diferentes do que vimos anteriormente. Com Luke, a luta é das ruas e não de artistas marciais como no Demolidor. Não existe dança, mas sim força bruta que chega a ser bem divertida de assistir.
Infelizmente, Mike Colter dá uma performance abaixo do esperado, lutando frequentemente para transmitir emoção na sua interpretação. Agora que Colter carrega uma série como protagonista, ficou evidente que ele não está no mesmo nível de atrizes como Rosario Dawson (Claire Temple) ou Simone Missick (Misty Knight).
Claire Temple
Claire é a ligação entre todos os Defensores e um dos elementos mais humanos do Universo Cinematográfico Marvel. Rosario Dawson continua dando uma dimensão real a sua Claire, não falhando uma cena.
Pela primeira vez, conhecemos um familiar dela: sua mãe. Sônia Braga transmite uma aura maternal latina bem forte e a relação entre as duas está muito bem representada. Assistindo às duas juntas, entendemos de onde vem o senso de dever e de esperança de Claire.
Misty Knight
O quê dizer sobre Simone Missick que já não tenha sido falado? Por algum motivo, muitos já disseram que a série deveria se chamar “O Show de Luke Cage e Misty Knight”!
Misty é a verdadeira revelação da série: uma personagem bem construída, com uma história independente de Luke e uma ótima interpretação por parte de Missick.
Cottonmouth
O primeiro vilão a surgir em Luke Cage é interpretado de forma fabulosa por Mahershala Ali. O seu Cornell Stokes é um homem com genuíno prazer na violência e absolutamente cego em suas ambições.
Ali construiu um Cottonmouth charmoso e de sorriso largo mas para quem a necessidade de poder, dinheiro e controle se estende a tudo na sua vida. Por trás da gargalhada gelada que o caracteriza, Stokes é um homem que inspira temor real.
A primeira vez que vemos Cottonmouth matar alguém é uma cena marcante devido a toda sua brutalidade. É também a primeira vez que entendemos a verdeira extensão da sua cultura de sangue e violência, que mais tarde é brilhantemente explorada no melhor flashback da série.
Mariah Dillard
Mariah Dillard, conhecida nos quadrinhos como Black Mariah, é alguém que representa o rosto da classe política corrompida. Vemos Mariah praticar uma série de crimes, numa crescente lenta mas segura naquilo que alcança.
Ela tem dos desenvolvimentos mais interessantes da série, entrando numa espiral negra onde a corrupção toma conta dela. Alfre Woodard dá uma interpretação forte, mostrando as diversas nuances e hesitações da personagem e garantindo um dos melhores momentos da temporada.
Shades
Podemos dizer que ele é o Lorde Baelish ‘Mindinho’ do Harlem. Shades é um vilão profundamente metódico e racional, planejando cuidadosamente cada um dos seus passos.
Theo Rossi criou um personagem com o tom certo, sempre esquivo e impossível de ler. E isso faz de Shades um dos homens mais perigosos da série.
Diamondback
Diamondback é um nome sussurrado ao longo de vários episódios pelos rostos do submundo do Harlem. É criado um mito à volta de Willis Stryker, este homem cujas ligações são como tentáculos, chegando a tudo e controlando todos.
Infelizmente, toda essa antecipação não é recompensada com um vilão à altura das expectativas. Stryker recebe uma interpretação forçada do ator Erik LaRay Harvey e são vários os momentos em que o vilão cria mais risada do que medo.
Diamondback está muito longe do que as produções Marvel / Netflix nos acostumaram. Wilson Fisk e Killgrave foram vilões absolutamente marcantes, enquanto Stryker parece um rascunho de um personagem ainda em construção. Falta um desenvolvimento realista e que engaje o público.
A origem da divergência entre Stryker e Cage foi modificada para a série, para simplificar a história. Mas, infelizmente, Diamondback surge como um falso profeta, cuspindo escrituras bíblicas como uma serpente venenosa. A raiva com que ele fala e que dispara na direção de Luke em nenhum momento faz sentido, nem é remotamente válida para que ele tivesse devotado tanto da sua vida perseguindo Luke.
Veredito final
Luke Cage é uma boa série que certamente vale a pena assistir, e é indispensável para os fãs Marvel. É muito diferente de Demolidor e Jessica Jones, se concentrando no Harlem e com cada episódio marcado por uma trilha sonora irrepreensível.
O tom da série é também mais leve que as anteriores, existindo maior espaço para momentos cômicos. Por outro lado, Luke Cage aborda frontalmente as questões raciais e pinta um quadro da América real.
Principais destaques de interpretação vão para Simone Missick, Mahershala Ali e Rosario Dawson.
Nota
6,5/10