A deusa da Páscoa é introduzida em American Gods como Easter, o nome em inglês usado para esta data festiva cristã. Ou talvez não seja tão cristã assim, como assistimos no episódio “Come to Jesus”. Um dos seus nomes mais famosos era Ostara e veremos quanto do seu nome resistiu ao tempo e às mudanças no coração dos homens.
Entre uma origem mitológica perdida no tempo e reinvenções do século XIX, não é fácil definir esta divindade de tempos antigos. Pois ela pode nem ser tão antiga como Deuses Americanos nos quer fazer acreditar que seja.
Easter e seu acordo com Jesus Cristo
Em American Gods vemos como os velhos deuses têm uma vida difícil num mundo moderno que os esqueceu. Mas Easter, a deusa da Páscoa, não podia estar mais longe dessas dificuldades. Ela pode ser uma divindade de outros tempos, mas soube manter sua importância graças à sua inteligência e senso de oportunidade.
Com a ascensão de Jesus Cristo como símbolo de ressurreição e o esquecimento do culto pagão na primavera, Ostara fez o necessário para sobreviver. Aceitando a substituição do seu nome pelo do filho do Deus cristão, a divindade manteve o culto da população através de símbolos como ovos e coelhos de Páscoa.
Embora as pessoas não façam essas coisas em seu nome, seus dias festivos ainda são celebrados e assim se mantém o acordo amigável entre Ostara e Jesus (ou, como vimos na série, os vários Jesus que existem para cada ocasião).
No livro, Easter também é convidada por Mr. Wednesday para fazer parte da sua guerra. Mas a deusa não demonstra interesse na proposta, e afirma que suas tradições continuam vivas:
“Eu estou bem. Nos meus dias festivos, eles ainda celebram com ovos e coelhos, em doces e carne, para representar o renascimento e copulação. Eles usam flores nos seus chapéus e dão flores uns aos outros. Eles fazem isso em meu nome.”
Tanto no livro como na série, Wednesday sabe como sabotar este argumento e a confiança de Páscoa. O persuasivo Odin sabe que Ostara está ressentida por ter sido trocada pelo Cristianismo e por ter o seu culto reduzido a uma versão comercial sem uma verdadeira ligação espiritual à renovação e primavera.
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Sua origem e história
O mito à volta da deusa Ostara (também conhecida como Eostre) surge pela primeira vez nos manuscritos de Bede, monge inglês que terá vivido no século VII ou VIII. Nesses textos antigos, Bede descreveu como durante o mês de abril (designado na época como Eostremonath), os anglo-saxões pagãos celebravam seu culto a uma deusa chamada Eostre.
Eostre seria a divindade da fertilidade, da aurora e da luz, simbolizando assim a chegada da primavera e celebrada por todos que buscavam o renascimento anual.
Durante muito tempo, os textos de Bede eram os únicos existentes sobre esta deusa, levando muitos a desacreditar o monge. Mas nos anos 50 do século XX foram descobertos vestígios arqueológicos que mostram a presença de Eostre na Inglaterra antiga, assim como revelou a investigação acadêmica da Universidade de Leicestre.
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O que escondem os vários nomes da deusa da Páscoa?
O nome Ostara surge várias centenas de anos após a denominação Eostre e em uma região europeia distinta. Ostara é mencionada em várias inscrições na Alemanha e se acredita que é a versão em alemão medieval para Eostre, existindo ainda textos que designam abril como Ostarmanod.
O seu nome anglo-saxão – Eostre – parece também ser a origem da palavra Easter, em inglês moderno. O mês Eostremonath seria o mês dedicado a Eostre, tanto na sua designação como nos dias festivos de culto.
Se recuarmos ainda mais no tempo e olharmos para a mitologia grega, vemos que a deusa do amanhecer era uma divindade chamada Eos. Existe uma grande especulação em volta da possibilidade de Eos ser a palavra grega para Aeusus ou Hausus, uma deusa da era protoindo-europeia (há cerca de 5 mil anos).
Não existe forma de garantir a ligação de Eostre / Ostara à história e mitologia protoindo-europeia devido à escassez de provas. Contudo, é interessante verificar como essas deusas e nomes têm vários pontos em comum e indicam uma evolução da mesma divindade por várias regiões.
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Evolução de Easter após o Cristianismo
Na maioria das regiões onde existe Cristianismo, a celebração da ressurreição de Cristo tem um nome com origem na palavra hebraica Pesach. Em português temos a palavra Páscoa, por exemplo. Mas em inglês, a palavra usada é Easter, muito distante da origem judaica de Pesach mas próxima do nome Eostre.
Jacob Grimm no seu livro Teutonic Mythology de 1835 oferece uma possível explicação para o uso de um nome de origem pagã para a celebração cristã. Segundo Grimm, a devoção a esta divindade devia ser tão forte que os professores cristãos toleraram o nome e o decidiram aplicar a um dos mais importantes marcos da vida cristã.
Antes do surgimento do Cristianismo já existia a celebração do equinócio da primavera, coincidindo com os registros do culto a Eostre.
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A ascensão a deusa germânica
A origem e história de Ostara pode estar repleta de indefinições e incertezas mas o século XIX viu a sua ascensão ao panteão germânico. Na literatura e nas artes, Ostara foi explorada em grande detalhe pelos artistas e escritores da época romântica.
Jacob Grimm foi um dos autores que recolheu as várias lendas da deusa e a descreveu no seu Teutonic Mythology como tendo sido “a divindade do amanhecer radiante, um espetáculo que traz alegria e benção, cujo significado pode ser facilmente adaptado ao dia da ressurreição do Deus Cristão”.
Os símbolos de Ostara continuam presentes na celebração da Páscoa cristã como os ovos pintados ou os coelhos, ambos símbolos de fertilidade próprios de uma deusa da fecundidade.