Ela nunca quis ser uma heroína mas está de volta para uma segunda temporada. Com o legado de uma das séries mais aclamadas da parceria Marvel / Netflix, será que a nova temporada consegue superar as expectativas criadas?
Confira a nossa crítica sem spoilers para a segunda temporada de Jessica Jones.
Decepcionante para os fãs da primeira temporada
Nunca seria fácil superar ou igualar a primeira temporada de Jessica Jones, uma das melhores criações do Universo Cinematográfico Marvel. Mas essa segunda temporada transforma a história da protagonista em uma bagunça desnecessária e pouco convincente, muito longe daquilo que esperávamos dessa série.
Um roteiro sem ritmo e com vários problemas
Entrando nessa nova temporada, sentimos a vontade de acompanhar Jessica na revelação do seu passado esquecido e na descoberta da verdade sobre os seus poderes. Infelizmente, embora os primeiros episódios sejam promissores, eles demonstram alguns problemas de ritmo e dispersão na trama que só aumentam depois do quinto episódio.
A falta de foco e de um rumo definido para esse segundo capítulo enfraquecem quase todos os personagens, com alguns chegando a roçar o ridículo. A maior vítima deste problema é Trish Walker, que tem uma das histórias e motivações mais interessantes inicialmente, mas que acaba por ter a viagem narrativa mais sem sentido de todas.
Outro dos traços menos felizes do roteiro é a falta de sutileza na apresentação das motivações dos personagens. Em vez de mostrar e deixar o público entender as dinâmicas do enredo, os personagens estão constantemente declarando o que sentem e quais são os seus interesses. E quando não falam do que sentem, estão frequentemente expondo verbalmente as motivações de outros, em um exercício que retira força à narrativa.
Numa nota muito positiva, temos a história da advogada Jeri Hogarth, com uma trama que faz verdadeiramente justiça à personagem. Embora as histórias de Jessica e de outros sejam frequentemente oportunidades perdidas, Jeri tem uma linha narrativa que começa de forma sutil mas que rapidamente rouba todas as atenções com o seu rumo.
Quem é Jessica sem Kilgrave?
A pergunta de um milhão de dólares. Kilgrave pode ter sido eliminado mas o trauma continua presente em Jessica, sendo evidente que a influência do vilão está longe de ter terminado. O vazio emocional dentro da detetive continua sendo preenchido com álcool em excesso, sexo com desconhecidos e uma alienação emocional de tudo e todos.
Do mesmo modo que Jessica tem dificuldade em avançar depois de Kilgrave, a série enfrenta o mesmo problema. O legado carismático e arrepiante deixado por David Tennant seria sempre uma questão problemática para o futuro da série, e a resposta da segunda temporada a esse vazio é muito fraca.
As ameaças que Jessica enfrenta no novo capítulo têm o potencial de serem devastadoras para a personagem. Mas a forma como a trama desenrola é francamente desinteressante, com um leve tom de novela mexicana que nos faz até pensar “mas os vilões são mesmo só isso?” Existe uma desconexão entre o sofrimento da detetive na tela e o aborrecimento que sentimos, só tolerado por uma interpretação sólida de Krysten Ritter. Mas nem mesmo Ritter consegue tornar o roteiro em algo melhor do que é.
Diluíram o estilo e identidade da série
As séries Marvel / Netflix sempre definiram uma identidade própria para cada protagonista e o ambiente que o rodeia. No caso de Jessica Jones havia uma ligação ao estilo film noir do cinema dos anos 40 e com os romances policiais. Essa referência visual e temática foi curiosamente explorada na promoção da segunda temporada, com o lançamento de capas bem ao estilo pulp, para cada um dos episódios.
Contudo, é visível que essa identidade foi largamente esquecida na história propriamente dita. Um dos traços mais distintivos da série era como a protagonista usava a sua profissão de investigadora privada como um meio para resolver mistérios. Isso diferenciava a heroína dos outros Defensores, que sempre recorreram muito mais aos seus superpoderes que Jessica, algo que realçava a astúcia da personagem.
Nessa nova temporada, há pouca atenção à atividade de detetive, com a personagem mais dedicada a buscas no Google e cometendo erros de principiante como fotografar com o celular e os alvos conseguirem ouvir o som do disparo dos clicks. Esse tipo de detalhe retira muito do realismo que foi construído inteligentemente na primeira temporada.
Mesmo no que respeita a atmosfera e estilo visual, não existe o mesmo cuidado anterior. Além da paleta de cores azuis e púrpuras, não houve o mesmo esforço de manter a qualidade e distinção.
Elenco forte
O grande trunfo do novo capítulo da série são as interpretações que nos agarram mesmo quando a história não convence. Krysten Ritter continua dando tudo por sua Jessica Jones, brilhando no equilíbrio entre a fragilidade e força que caracterizam a detetive. Carrie-Anne Moss é nada menos que perfeita na sua atuação como Jeri Hogarth, dominando todas as cenas em que aparece e enfrentando com mestria desafios muito diferentes daquelas em que a vimos anteriormente.
Rachael Taylor encarna uma Trish Walker com a mesma ambição que distingue a personagem esta temporada, mesmo quando a trama sabota a sua interpretação. Eka Darville como Malcolm Ducasse tem uma das linhas narrativas mais interessantes e a sua atuação é das mais genuínas.
Adeus ao passado
As duas temporadas de Jessica Jones tiveram o seu foco no passado da detetive, e agora que a sua origem foi amplamente explorada, esperamos que este seja o adeus final a essa época. Com uma personagem tão complexa como Jessica, são várias as possibilidades que se abrem para o seu futuro e queremos ver isso finalmente acontecer.